Durante séculos, a ideia de transformar chumbo em ouro – a crisopeia – pareceu inatingível. Embora os dois metais partilhem uma densidade semelhante, a ciência moderna provou que são elementos distintos e quimicamente não intermutáveis.
Contudo, ouro pode ser produzido, ainda que em quantidades microscópicas, no coração da ALICE (A Large Ion Collider Experiment), um dos quatro principais instrumentos do LHC no CERN, a Organização Europeia para a Investigação Nuclear.
A experiência ALICE dedica-se à física de iões pesados e investiga a matéria sob densidades de energia extremas. Durante colisões de alta energia de núcleos de chumbo no LHC, os cientistas podem recriar momentaneamente o plasma de quarks-gluões, um estado da matéria que existiu apenas milionésimos de segundo após o Big Bang.
Ainda assim, o ouro não nasce destas colisões diretas. Em vez disso, forma-se num cenário mais subtil – quando núcleos de chumbo quase colidem frontalmente, mas falham o alvo.
“É impressionante ver que os nossos detetores conseguem lidar com colisões frontais que produzem milhares de partículas, ao mesmo tempo que são sensíveis a colisões onde apenas algumas partículas são produzidas de cada vez, permitindo o estudo de processos eletromagnéticos de ‘transmutação nuclear'”, afirmou o porta-voz da ALICE, Marco Van Leeuwen, em comunicado.
Em encontros quase falhados, campos eletromagnéticos intensos que rodeiam os núcleos de chumbo em rápido movimento geram breves pulsos de fotões. Quando estes fotões interagem com os núcleos, causam um fenómeno conhecido como dissociação eletromagnética, no qual protões e neutrões são ejetados de um núcleo. Em casos raros, três protões são removidos de um núcleo de chumbo, deixando para trás ouro.

A equipa da ALICE utilizou instrumentos especializados conhecidos como Calorímetros de Zero Grau (ZDC) para medir estes eventos raros. Ao detetar o número de protões e neutrões ejetados nas colisões, os investigadores conseguiram distinguir a criação de outros elementos pesados, como o tálio e o mercúrio – e o ouro.
Infelizmente, os núcleos de ouro resultantes não permanecem por muito tempo. Viajando a quase a velocidade da luz, chocam contra as paredes do colisor ou os seus componentes e desintegram-se quase instantaneamente em partículas menores.
Ainda assim, os números são impressionantes: durante o Run 2 do LHC (2015–2018), foram produzidos cerca de 86 mil milhões de núcleos de ouro. O Run 3 já quase duplicou essa contagem.
No entanto, apesar disto, a massa total de ouro criada é infinitesimalmente pequena – triliões de vezes menor do que o necessário para fazer, por exemplo, uma aliança de casamento.
Embora isso possa frustrar as esperanças de alguns, a experiência abre uma nova janela para a forma como os elementos são formados e como os campos eletromagnéticos podem manipular os núcleos atómicos. Realça também a extraordinária sensibilidade do detetor ALICE, que não foi concebido para a produção de ouro, mas para investigar os primeiros momentos do universo.