O panorama musical contemporâneo assiste a uma erosão progressiva das fronteiras que outrora definiram os géneros. No ano transato, antecipámos a ascensão de uma fluidez estilística e de uma personalização crescente na fruição musical. Como previsto, 2024 consolidou esta tendência, com as plataformas de streaming e as redes sociais a desmantelarem as barreiras entre categorias e a tornarem obsoletos os formatos de lançamento tradicionais.
Contudo, esta metamorfose não deve ser encarada com desalento pelos músicos. O declínio de categorias estanques não implica uma desvalorização da música, relegando-a ao estatuto de mero ruído de fundo. Pelo contrário, a música mantém-se como uma banda sonora profundamente significativa para as vidas das pessoas.
As plataformas de streaming têm testemunhado um aumento exponencial nas playlists “POV” (ponto de vista) criadas pelos utilizadores, que capturam e intensificam momentos especiais através da oferta da melodia perfeita para um primeiro beijo, um dia chuvoso ou um verão que parece não ter fim. Um inquérito recente do Spotify revelou que 80% dos jovens sentem que são os protagonistas de um filme enquanto escutam música durante as suas atividades diárias.
Este fenómeno demonstra que, à medida que categorias tradicionais como o género e a instrumentação perdem relevância, o contexto emerge como o fator primordial na experiência auditiva. No futuro próximo, os músicos serão cada vez mais incentivados a conceber a sua música não em termos da sua classificação estilística, mas sim da sua capacidade de se integrar no tecido da vida de um ouvinte.
A questão central desloca-se do “o quê” para o “onde” e o “quando” da experiência musical, convidando os artistas a tornarem-se arquitetos de atmosferas e bandas sonoras para os instantes que marcam a existência. A música, despojada das suas amarras genéricas, abraça a sua vocação mais intrínseca: ressoar com a emoção e a singularidade de cada vivência.