No turbilhão da era digital, a fama instantânea emerge como um fenómeno paradoxal: tão fulgurante quanto efémera. Assistimos a um culto ao “agora” que desvaloriza a persistência, o trabalho árduo e a construção gradual de uma carreira.
Estes ídolos instantâneos são frequentemente equiparados a produtos de consumo rápido: surgem do nada, brilham intensamente por um breve período e são, com a mesma velocidade, descartados e substituídos pelo próximo “fenómeno viral”. A sua ascensão meteórica, muitas vezes desprovida de um percurso consolidado, talento excecional ou uma obra que realmente perdure, levanta sérias questões sobre o que valorizamos enquanto sociedade.
Esta predileção pelo efémero espelha um empobrecimento da nossa capacidade de discernimento e um certo desprezo pelo que é construído com base em mérito e substância. Em vez de nos focarmos em artistas, pensadores ou profissionais que dedicam anos à sua arte ou ofício, construindo um legado, a atenção é desviada para a novidade do momento.
É alarmante constatar a memória curta do público neste cenário, trocando a profundidade pela gratificação instantânea e comprometendo a capacidade de distinguir o valor duradouro do brilho momentâneo.
No entanto, a ascensão meteórica ao estrelato instantâneo tem um lado B sombrio: a pressão psicológica esmagadora e a consequente exaustão a que estes ídolos são submetidos. Longe da imagem glamorosa que exibem, muitos vivem uma corrida incessante pela relevância, tendo de criar “conteúdo” constante e manter-se visíveis.
Esta necessidade obsessiva de permanecer no centro das atenções é um sintoma alarmante de uma sociedade cada vez mais viciada em atenção e validação externa. A cultura do cancelamento é a prova viva desta volatilidade, onde um erro ou mal-entendido pode destruir uma carreira e a saúde mental de um indivíduo em poucas horas, sem tempo para reflexão ou resgate.
O impacto mais preocupante da proliferação de ídolos instantâneos reside na juventude, que cresce com a ilusão do “caminho fácil”. A exposição contínua a indivíduos que alcançam notoriedade sem aparente esforço, estudo aprofundado ou talento excecional, desvaloriza drasticamente a importância da dedicação, resiliência e trabalho árduo. Se a aspiração de muitos jovens passa a ser a de se tornarem “influenciadores” digitais, em vez de sonharem ser médicos ou engenheiros, estamos a assistir a uma inversão preocupante dos valores, onde a visibilidade e a gratificação instantânea suplantam o propósito e o impacto real. Corre-se o risco de criar indivíduos mais preocupados em “parecer” do que em “ser”, mais focados na imagem pública do que no desenvolvimento de competências e caráter.

A crítica à idolatração de ídolos instantâneos ganha uma dimensão ainda mais alarmante quando percebemos que esta lógica do “agora” e do “número de seguidores” infeta as próprias estruturas das grandes empresas e indústrias.
Antigamente, a seleção de atores para televisão baseava-se primordialmente no talento e na experiência; hoje, o número de seguidores nas redes sociais tornou-se um fator, por vezes, decisivo. Este é um exemplo gritante de como a superficialidade é ativamente reforçada e capitalizada, transformando o talento e a substância em meras variáveis secundárias.
A miopia empresarial estende-se a setores como a indústria automóvel, por exemplo, que contrata influenciadores jovens com demografias irrelevantes para os seus produtos, priorizando a notoriedade fugaz em vez de um investimento em estratégias de marketing eficazes.
Na indústria da música, o sucesso mede-se pela capacidade de uma canção gerar um meme viral, resultando em “artistas” que desaparecem tão rapidamente quanto surgiram, com músicas “descartáveis” que raramente perduram.
O mercado editorial também se rendeu, proliferando livros escritos por personalidades digitais cujo valor reside mais na fama online do autor do que na qualidade literária ou no valor intrínseco do conteúdo.
No campo político, observa-se uma crescente tendência para que figuras públicas ajustem a sua comunicação para maximizar o “engajamento” nas redes sociais, transformando o político num “influenciador” que busca a aceitação do seu “seguidorado”.
Até no recrutamento profissional, a “marca pessoal” online e um número significativo de seguidores podem ser priorizados em detrimento de um currículo impecável ou anos de experiência.
Em última análise, a idolatração de figuras cujo mérito reside mais na sua capacidade de “viralizar” do que em talento genuíno, trabalho árduo ou contribuição significativa, valida a preocupação de que estamos a assistir a uma crescente “estupidez” coletiva.
Esta manifesta-se na preferência por conteúdo vazio, na desvalorização do conhecimento e da arte duradoura, e na perigosa inversão das prioridades da juventude.
Ao abraçarmos tão acriticamente o vazio da fama instantânea, abdicamos da nossa própria capacidade de discernimento e de pensamento crítico, permitindo que algoritmos moldem as nossas perceções e que a validação digital dite o nosso valor.
Estamos, de facto, a construir uma espécie de “idiocracia digital”, onde a popularidade e o barulho superam a inteligência e a substância.
É imperativo questionar se estamos confortáveis com as implicações desta nova definição de inteligência para o futuro do nosso desenvolvimento cultural e intelectual, pois, caso contrário, arriscamo-nos a ser uma sociedade cada vez mais “conectada”, mas paradoxalmente, cada vez mais desprovida de inteligência e propósito.

Victor Sales Gomes
Produtor de Conteúdos
Everything is digital